domingo, 24 de outubro de 2010

Tecnologias Sociais e Políticas Públicas – Um exercício de Democratização para o Desenvolvimento Social

01/07/2010 - Dada a competência e a seriedade histórica da Rede de Tecnologias Sociais (RTS) e do Instituto de Tecnologia Sociais (ITS) e a objetividade em que o momento político, nacional e mundial exige, partiremos para um debate em que tomamos como referência o entendimento conceitual das tecnologias sociais como aquelas que “compreendem produtos, técnicas e metodologias desenvolvidas na interação dos saberes científico e popular e que representam efetivas soluções de transformação da sociedade” (RTS, 2010).
A lógica é que o fundamento básico vem revelar que a referida tecnologia é oriunda de uma construção coletiva que tem seu laboratório vivo na sociedade e, por isso, é fruto de um esforço na direção do desenvolvimento territorial sustentável.
As tecnologias sociais ocupam um lugar estratégico no Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) no Brasil, graças ao seu DNA possuir três características importantes:
- A TS é uma possibilidade clara do exercício do fortalecimento da democracia e da soberania nacional, pois sua prática, construção e resultados apresentam baixo custo, alta capacidade de adequação na sua reaplicabilidade e por que as suas patentes estão desvinculadas dos segredos empresariais e dos mercados de capitais;
- A sua abordagem evidencia a estratégia de como os sujeitos do território se envolvem no enfrentamento de desafios. A TS é uma fotografia da demanda efetiva de uma comunidade e de suas respostas às suas demandas;
- O fato da atuação das entidades e instituições que praticam TS ocorrer em uma forma interativa entre si, de acordo com a geopolítica da comunidade, motiva a participação dos diversos sujeitos no desenvolvimento social, político, cultural e econômico voltada para a construção de sua sustentabilidade, estabelecendo e ampliando uma rede de relações solidária e éticas nas suas atividades, assim como na construção e monitoramento de políticas públicas dirigidas ao desenvolvimento sustentável.
Tecnologia é instrumento de poder. Assim, as tecnologias sociais também são ferramentas de poder. Elas carregam em si um forte apelo de quebra de paradigma, onde a ciência sempre guardou um conceito de “algo sagrado, grandioso, distante da realidade e das demandas do cotidiano”. Essa condição afasta o sistema de CTI do terreno social e real, do chão, afasta das políticas públicas, que aqui conceituamos como sendo aquelas que guardam uma proximidade e um compromisso com as demandas das diversas comunidades e segmentos sociais.
O Brasil deu saltos significativos no campo da estruturação das políticas públicas de CTI, na primeira década do século XXI, especialmente durante o Governo Lula (2003-2010). Destacam-se aspectos jurídicos, orçamentários, priorização de eixos estratégicos como os de energias renováveis, fomento à solidificação de empresa de base tecnológica; formação e fixação de pós-graduandos em áreas de conhecimentos relacionadas com o desenvolvimento nacional e, no campo das TS, pode- se relevar o papel da inclusão digital, do esforço para a popularização da ciência, do fomento às incubadoras de empreendimentos da economia solidária e da agricultura familiar, dentre outros.
No cenário das políticas públicas dos estados brasileiros, pode-se afirmar que ainda há muito que fazer. Os estados brasileiros realmente carecem de um aceno do Governo Federal como motivador da expansão de sua plataforma de ciência e tecnologia, seja indicando os macroeixos estratégicos de desenvolvimento, seja disponibilizando recursos para fomentar os investimentos, seja com abertura e apoio no relacionamento com empresas, mercados e instituições de ensino e pesquisa internacionais.
O caso da Bahia, em especial, que, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) (2010), apresenta uma população se aproximando dos 15 milhões de habitantes, uma economia que se destaca entre as seis maiores do país, estado com 70% de seu território ocupado com o semiárido (...), todo esse contexto exige uma valorização de destaque da CTI como vetor de desenvolvimento.
Na tentativa de envolver as políticas públicas relacionadas com as TS, percebem-se desafios latentes para as referidas políticas se constituam como instrumento de desenvolvimento tal, na Bahia, para o contexto da segunda década do século XXI:
- TS pensada de forma desarticulada e apenas na Secretaria de CTI, e ainda com uma atenção muito aquém daquela suficiente para expressar relevância para o desenvolvimento social;
- Rede de entidades da sociedade civil e de instituições públicas ainda fragilizadas. Inclusive pode-se notar a necessidade de melhor qualificação da rede TS Bahia. Um Programa que acene para uma atuação contínua, articulada, de rede e, com um foco na consolidação e expansão da mesma;
- Educação com currículos que não promovem o seu conteúdo nem a articulação entre as diversas áreas de conhecimentos;
- Ausência de um marco legal que oriente e garanta a destinação de recursos públicos; a captação de recursos de outras possíveis fontes; e o reconhecimento e aplicação da TS diante de órgãos públicos como escolas, saúde, segurança pública, cultura, lazer, geração de renda e outros;
- Distanciamento de setores de ensino (principalmente universidades), pesquisa e extensão (instituto de pesquisa, empresas e órgãos da extensão, ONGS e movimentos sociais). Faz-se, mas não se capitaliza de forma estratégica e intencional;
Estes são desafios primários para se efetivar um processo de implantação e implementação de Políticas Públicas relacionadas com as TS, no Estado da Bahia, muito embora seja possível se realçar outros condicionantes envolvidos com este debate, da relação entre Políticas Públicas e as TS:
- Meios de comunicação muito pouco sensibilizados para as tecnologias sociais;
- TS tratada como tecnologias de pequeno. Que não poderá dar conta de uma demanda social, econômica, em escala;
- Pouca experiência por parte das entidades e instituições de TS da Bahia em trabalhar numa articulação de rede, de cooperação, de diálogos, etc.
Vale destacar que a Bahia, e outros estados do Brasil, assim como diversos países menos influentes na geopolítica internacional vêm sofrendo, há tempos, com a política do estado mínimo ou com o neoliberalismo. Com a imposição do imperialismo do mercado sobre as outras estruturas da sociedade, todas as decisões relacionadas com o planejamento e execução de políticas voltadas para o desenvolvimento se tornam refém da economia de mercado e assim as políticas públicas ou estão ausentes no dia da vida da população ou se apresentam de maneira debilitada e até mesmo com intervenção contrária ao rumo do desenvolvimento social de um determinado território. A ciência e a tecnologia dita como tradicional sempre se apresentarem subordinadas ao referido modelo, com a missão de referendá-lo e fortalecê-lo cada vez mais. Enquanto isso, a TS criou caminho próprio, mas marginalizado, muito embora de forma resistente, ético, solidário e envolvido com o desenvolvimento sustentável do lugar onde criou e fincou raízes.
Na Bahia, assim que se iniciou a gestão do Governador Jaques Wagner, em 2007, iniciou-se um trabalho de garimpagem das entidades-membros das RTS Bahia, para que se pudesse fazer algo com o apoio e o acúmulo da RTS nacional. E a rede, na Bahia, vem criando forças e apontando rumos, principalmente no aspecto do controle social para que as políticas públicas se efetivem. O grupo realizou fóruns de TS em diversos territórios de entidades; participou de forma ativas de duas Conferências Estaduais de CTI e da I Regional do Nordeste. A partir dessa atitude, já se conseguiu sistematizar um documento com um conteúdo voltado para o fortalecimento de uma política pública que dê conta da estruturação de um cenário favorável e consistente no qual as experiências de TS sejam enxergadas pelo estado brasileiro e baiano e mais, sejam contempladas com orçamento público e com uma legislação compatível com a realidade da TS Baiana.
Outro destaque importante a se considerar na Bahia é que o Governo Wagner realizou o Plano Plurianual (2008-2011) de forma participativa e nas bases dos Territórios de Identidade e é possível se ver a clareza da demanda por política pública no campo das TS realizada pelas entidades da sociedade civil e instituições públicas e por “pessoas comuns”. É possível se visualizar3 a demanda pela inclusão digital; pela criação de centros vocacionais; demandas por editais da Fundação de Amparo do Estado da Bahia (Fapesb) que apoiem a atividade de incubadoras, juntando a pesquisa, o ensino e a extensão. Vê-se um avanço significativo no âmbito das políticas públicas dos Governos Federal e estadual, mas uma grande lacuna no âmbito municipal. Esse é um desafio estratégico e necessário para os próximos PPA dos municípios. E assim será possível animar ainda mais a luta dos sujeitos envolvidos no fortalecimento da TS na Bahia e no Brasil.
Esperamos que a IV CNCTI alimente a utopia de chegarmos a unir a riqueza e a contribuição que as TS podem ofertar a consolidação de políticas públicas de fato comprometidas com o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional do Brasil.

*Jerônimo Rodrigues de Souza é assessor especial da Secretaria de Planejamento da Bahia.
Fonte: Livro “Tecnologia Social e Desenvolvimento Sustentável: Contribuições da RTS para a formulação de uma política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação”

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